AS MULHERES AGRICULTORAS FAMILIARES E AS PLANTAS MEDICINAIS
APRESENTAÇÃO
Essa breve reflexão tem por finalidade resgatar a história das relações entre as mulheres e as plantas medicinais e salientar a importância da fitoterapia enquanto política pública de saúde. Com isso, queremos contribuir na luta das mulheres agricultoras familiares, reforçando a importância da mulher na história.
As mulheres que foram sábias conhecedoras das plantas medicinais, defensoras da vida, enfrentaram a força masculina, a fogueira, a condenação e o medo. Mas, hoje, de cabeças erguidas e sonhos na alma, vão trilhando a história como mães deste novo raiar. Com o resgate do saber tradicional e popular, com a organização dos Coletivos de Gênero, com políticas mais justas, a exemplo da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, será possível garantir mais qualidade de vida, renda e soberania nacional.
1. A HISTÓRIA
A Mãe-Natureza nos deu um presente: as plantas medicinais
A relação entre a humanidade e as plantas medicinais é tão antiga quanto nossa própria existência. As plantas medicinais são um presente da natureza ao ser humano. Mulheres e homens, ao surgirem na Terra, já encontraram as plantas medicinais à disposição para alimentar, proteger e curar as enfermidades.
O conhecimento sobre as plantas acompanhou a evolução do ser humano. O registro desta história é de aproximadamente 10 mil anos antes de Cristo. As primitivas civilizações perceberam, desde cedo, a existência de plantas comestíveis e de outras, não-comestíveis, dotadas de poderes que, ao serem consumidas, produziam sensações agradáveis e aliviavam as dores.
Os segredos sobre as plantas foi sendo transmitido oralmente de geração em geração. Os primeiros escritos sobre o uso das plantas data de 3000 a.C . Nesta época, foram registrados em papiros, no Egito antigo, o uso de cerca de quinhentas plantas medicinais, entre elas, menta, alecrim, camomila, absinto, babosa, tomilho e plantas da família Solanacea , usadas até nossos dias. Vale lembrar que, mesmo com todos os registros e publicações, muitos conhecimentos, ainda hoje, são transmitidos oralmente de culturas para culturas, de mães para filhas.
Mil anos a.C, no vale do Tigre e Eufrates (onde hoje estão o Irã e o Iraque), o “Estado” organiza o primeiro estudo oficial de medicina. Percebe-se que já neste período, há uma disputa sobre o domínio do saber. O conhecimento das plantas passa para o controle dos sacerdotes e dos reis. As descobertas sobre as plantas e as doenças são organizadas em forma de um Tratado. Com isso, muitas mulheres e homens do povo perdem a autoridade no exercício do uso das plantas. Aqui, podemos dizer, inicia a burocratização e a hierarquização do conhecimento.
O conhecimento, no entanto, não se aprisiona por muito tempo. Na Grécia e Roma Antiga, há uma volta do conhecimento para as mãos do povo. A medicina torna-se de domínio dos cidadãos em geral, não mais dos sacerdotes. Em 600 a.C., o governo de Atenas decreta que "todo cidadão tem direito a cuidados médicos gratuitos, pagos pelo Estado", um tipo de INSS. Essa política era custeada por um imposto real chamado "Iatricon".
Mais tarde o poder curativo das plantas medicinais é reconhecido por Hipócrates, considerado o pai da medicina . As descobertas das plantas transformam-se em estudos medicinais científicos. Foram sendo aprimorados métodos mais eficientes de coletas, armazenamentos e a extração dos sulcos das plantas. Os estudos avançaram muito neste período. Agora, as plantas deixam de ser apenas um presente da natureza a passam a ter valor de troca e mercado. Deixam de ser apenas para o combate de doenças e passam a atender outras necessidades. Como exemplo, os extratos alcoólicos que resultaram no vinho ou nos destilados (como a vodka e gim), bebidas conhecidas como dos deuses e que, por muitos séculos, somente os sacerdotes, os reis e as grandes cortes podiam se deliciar.
2. AS PLANTAS E AS MULHERES
2.1. As descobertas
As mulheres estão intimamente ligadas às plantas. Ambas, mulheres e plantas, guardam a seiva da existência, o germe da continuidade, o segredo da vida. As mulheres descobriram que as plantas serviam não só para o alimento. Perceberam que as plantas eram suas grandes aliadas na sobrevivência, na constituição do poder, na organização de seu grupo, na defesa dos mais fracos, na atração, encanto e domínio de seu parceiro.
Na Idade de Pedra, o ser humano já vivia em cavernas comunitárias e caçava para se alimentar. Enquanto os homens saíam em bando para caçar, as mulheres não ficavam sentadas ao redor do fogo aguardando o retorno dos machos, como muitos estudiosos acreditavam. Elas eram responsáveis pela alimentação básica da tribo que havia ficado na caverna. Os homens saíam à caça e não raro muitos deles não voltavam, pois eram devorados pelos animais ferozes e, muitas vezes, voltavam de mãos vazias. Então, cabia às mulheres a coleta de raízes, tubérculos e vegetais, formando a base da alimentação. Elas cuidavam dos velhos, dos doentes, das crianças, precisavam estar atentas aos predadores e outras ameaças, aprenderam a domesticar animais, pariam e ainda ajudam outras a parir.
As mulheres começaram a perceber que as sementes caídas dos frutos consumidos podiam brotar. Elas mesmas começaram a enterrar as sementes e cuidar das plantas como se fossem sua própria cria. Perceberam que podiam tirar da terra uma planta já adulta e enterrar em outro lugar sem que a mesma morresse. As mulheres foram organizando em torno de suas cavernas uma espécie de horta comunitária. Já não precisavam mais ir tão longe em busca daquelas plantas. Aos poucos foram descobrindo essa “coisa” moderna conhecida como agricultura.
2.2.As Bruxas
"Não acredito em bruxas, mas que elas existem, disso não tenho dúvida" .
As mulheres, por constituírem e organizarem um espaço, uma rotina de observação e descobertas, aprenderam os segredos da natureza. Descobriram que as ervas são diferentes: ora amargas, azedas, doces ou ainda uma mistura delas. Aprenderam que cada planta reage diferente diante da luz, da chuva, do frio, do calor, assim como elas próprias quando estão em diferentes situações. As mulheres aprenderam a respeitar e conhecer os poderes da Mãe-Natureza, olhando, cheirando, tocando, experimentando as variações das plantas, seus frutos e suas cores.
Ligadas, assim, pela divina curiosidade de fêmea, as mulheres vão tornando-se possuidoras de uma sabedoria própria, um saber curativo, que as permite identificar as ervas, misturá-las e, na quantidade certa, beber e dar de beber a quem precisa. Desta forma, nascem as bruxas ! Mulheres sábias, que conheciam as ervas medicinais para a cura das enfermidades, também eram aptas para realizar partos e preparar as poções curativas. Estas mulheres eram dotadas de um poder espiritual, transmitidos de mãe para filha, e isso passou a incomodar o poder religioso.
Com o surgimento do cristianismo, as mulheres, sobretudo as bruxas, foram colocadas à margem. A elas coube o silêncio e a obediência às leis que lhes eram impostas. A elas coube o acato às ordens dos sacerdotes, dos reis, dos maridos e de um deus do sexo masculino.
“No final do século XV, o papa Inocêncio VIII declarou a bruxaria um pecado mortal. Em 1486, dois frades dominicanos editaram o Malleus Maleficarum, ou Caça às Bruxas, manual utilizado nos dois séculos e meio que se seguiram. Cerca de 9 milhões de pessoas, em sua maioria mulheres, foram torturadas e condenadas à morte - em fogueiras ou enforcamento. Estava aberta a temporada de caça às parteiras, as mulheres herboristas (conhecedoras de plantas medicinais), das velhas, viúvas e solteironas. Na diocese de Trier, na Alemanha, após os julgamentos de 1585, duas aldeias foram deixadas com uma única mulher em cada (...)” .
As mulheres não curvaram suas cabeças diante da forca, do fogo ou do medo. Apenas recuaram um pouco, para seguirem mais fortes. As mulheres, cada vez mais, compreendem sua ligação com a Natureza, já que elas próprias são como a natureza. As mulheres seguem acreditando na força divina que carregam dentro de si, mais sábias, mais fortes, mais bruxas.
Hoje, a mulher está mais madura, mais poderosa, possui mais coragem, está mais bonita e mais preparada para acolher os ensinamentos da Mãe-Natureza, a fim de partilhar com quem for preciso, pois quando se pensa nos carentes da humanidade, são os valores femininos de proteção, compaixão que são evocados.
3. FITOTERAPIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
31. Plantas medicinas: a nossa maior riqueza
As plantas medicinais são um patrimônio cultural incalculável. Elas representam um recurso muito importante para nossa saúde e a continuidade de nossa espécie no Planeta. O Brasil é o país que detém a maior parcela de biodiversidade, em torno de 15 a 20% do total mundial de toda a flora planetária. Embora o nosso País possua a maior diversidade vegetal do mundo, com cerca de 60.000 espécies de vegetais superiores catalogadas, apenas 8% foram estudadas para pesquisas de compostos bioativos e 1.100 espécies foram avaliadas em suas propriedades .
Nosso país possui vantagens no desenvolvimento da fitoterapia. Aqui temos biodiversidade, abundância, conhecimento popular e tradicional do uso das plantas, tecnologia para validar cientificamente este conhecimento, empresas competentes e recursos financeiros. Temos praticamente tudo para “que nossas façanhas sirvam de modelo a toda Terra”. Falta certamente uma política voltada a esse interesse nacional.
Outra política urgente é a proteção da nossa riqueza natural: o cuidado com a manutenção da biodiversidade. Segundo especialistas da Organização Mundial da Saúde, a cada hora uma espécie de planta desaparece do planeta. É muito importante que se implementem ações concretas antes que a humanidade perca esse manancial terapêutico que a natureza nos presenteou.
O Brasil vem sendo alvo de um processo de usurpação não só do conhecimento tradicional que grupos étnicos e comunidades tradicionais possuem, mas principalmente de plantas medicinais. A apropriação de nosso patrimônio, na forma de produtos patenteados, é um desrespeito à nação, um pecado grave contra nossa soberania. Multinacionais comprometidas apenas com o lucro e o mercado da doença e, mesmo muitas empresas brasileiras, estão fazendo um verdadeiro extermínio de espécies vegetais, antes de serem investigadas química e farmacologicamente. Sabemos, por exemplo, que a Monsanto está construindo o maior centro de pesquisas de plantas do mundo, baseada no conhecimento tradicional brasileiro e em nosso patrimônio ambiental.
Diante dessa situação, para fazer frente à grande pressão extrativista sobre as plantas medicinais, o IBAMA criou em 2001 o Núcleo de Plantas Medicinais e Aromáticas - Nuplam . O Núcleo propõe conciliar pesquisa científica e conhecimento tradicional, valorizando o conhecimento e a partilha dos benefícios. Acreditamos que essa ação seja um caminho para a geração de renda, melhoria da qualidade de vida das populações extrativistas e a conservação de ecossistemas naturais. E preciso mais: vigilância, investimentos de recursos financeiros e humanos, educação, pesquisa científica voltada para o desenvolvimento de técnicas de cultivo e manejo. Essas iniciativas podem garantir a sustentabilidade econômica e ecológica do uso de plantas medicinais e aromáticas e a valorização dos conhecimentos e saberes populares.
3.2. O que é fitoterapia?
A palavra fitoterapia significa tratamento (terapia) através das plantas (phitos). É o tratamento à base de plantas medicinais. A fitoterapia é o cuidado do organismo através das plantas e ervas medicinais in natura, sem separar os princípios ativos. Podemos dizer também que a fitoterapia é a ciência que estuda a utilização dos produtos de origem vegetal com finalidade terapêutica, ou seja, para prevenir, atenuar ou curar doenças.
De acordo com a caracterização do Ministério da Saúde, “fitoterapia é uma terapêutica caracterizada pela utilização de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal, cuja abordagem incentiva o desenvolvimento comunitário, a solidariedade e a participação social” .
Erroneamente, muitas pessoas chamam a fitoterapia de “terapia alternativa” ou de “medicina de pobre”. Como já referimos, essa terapia é um dos métodos mais antigos já utilizados pela medicina natural. A fitoterapia é muito mais do que o aferventar de uma erva, significa cultura milenar, sabedoria, conhecimento acumulado e partilhado de geração em geração; significa solidariedade com quem está precisando refazer as energias. É a união entre a fé, o saber popular e a pesquisa científica.
3.3. A fitoterapia e suas diferentes formas de uso popular
A fitoterapia é um método que nos permite utilizar as propriedades das plantas medicinais de diferentes formas. O importante é conhecer a planta e seus princípios ativos, isto é, saber para que serve. Reconhecer a planta medicinal como um organismo vivo, possuidora de substâncias bio-ativas, de propriedades terapêuticas e até mesmo tóxica, é fundamental antes de escolher a forma como a planta será preparada. O aproveitamento adequado das propriedades medicinais de uma planta depende, em grande parte, de seu preparo correto.
Veja as formas mais usadas no meio popular:
Chás
Infusão: consiste simplesmente em despejar a água quente (não fervida) sobre a planta, deixando a mistura tampada por cerca de 10 minutos. Ideal para flores e folhas.
Decocção: a planta é fervida por algum tempo em recipiente tampado (não em alumínio). Depois, deixa-se descansar por mais alguns minutos. Esta forma é mais apropriada para raízes, cascas e sementes, que devem ser cortadas em pequenos pedaços ou esmagadas antes de serem utilizadas.
Compressas: molha-se panos em uma decocção forte, concentrada e aplica-se na região afetada.
Maceração: a planta é colocada de molho à temperatura ambiente, na água, vinagre ou álcool, num período de algumas horas até vários dias, de acordo com a qualidade da planta.
Tinturas: é a maceração das plantas a frio, colocadas no álcool de cereais por um período de aproximadamente 10 dias. Após a mistura é filtrada, obtendo-se a tintura.
Vinhos medicinais: são obtidos pela maceração das plantas em vinho tinto ou branco, por cerca de 10 dias, depois filtrado e conservado em lugar fresco.
Tisanas: termo genérico que designa soluções, macerações, infusões e decocções.
Cataplasmas: é empregado externamente. As ervas frescas podem ser aplicadas soltas diretamente sobre a pele ou sustentadas por uma gaze. Podem também ser esmagadas até ficarem em forma de pasta, colocada entre dois panos finos e aplicada sobre o local afetado, quente, morna ou fria.
Contusão: os sumos das plantas são obtidos espremendo-se as folhas das ervas através de um tecido fino de algodão, batendo-as no liquidificador ou amassando-as num pilão. São então coadas e diluídas em água e, caso necessário, adoçadas com mel.
Saladas: as ervas também podem ser comidas cruas em forma de saladas ou preparadas junto com os alimentos, como temperos. Porém muito cuidado deve ser tomado quanto a qualidade e limpeza das ervas. Lave-as bem com água corrente e depois deixe-as de molho por algum tempo em água, sal marinho e vinagre.
Banhos: algumas plantas podem ser acrescidas à água morna da banheira e o banho deve durar cerca de 20 minutos.
Lavagens: os chás podem também ser usados para lavagens intestinais, no caso de distúrbios digestivos e vaginais, por exemplo no caso de corrimentos.
Gargarejos e Inalações: Gargarejar algumas vezes ao dia com chá preparado por decocção. Este tratamento atua sobre a cavidade bucal e garganta. Para fazer inalações, prepare um chá forte de ervas, retire-o do fogo, coloque um funil de papelão invertido sobre o recipiente, cubra a cabeça com um pano e respire o ar evaporado.
3.4. Fitoterapia: o resgate do saber popular e a promoção da saúde
O resgate do saber popular é um processo dinâmico que parte do “saber do povo” para se chegar ao “saber técnico-ciêntífico”. O conhecimento tradicional de grupos sociais que fazem uso das plantas é a fonte essencial para a descoberta dos princípios ativos - substâncias capazes de exercer uma ação de cura-responsáveis no combate de doenças.
Na medida em que as mulheres verbalizam seus conhecimentos, exercitam o seu poder. É no exercício deste poder que a auto-estima é resgatada. Neste sentido, fortalecer e empoderar pessoas é promover saúde. Assim, o uso das plantas medicinais não deve ser encarado unicamente sob o olhar terapêutico, mas tão importantes quanto este são os aspectos comunitário, pedagógico e ambiental.
As plantas medicinais são o núcleo pedagógico de educação popular para a saúde e cidadania. Com ações desenvolvidas a partir das plantas é possível estabelecer o resgate da cultura, da auto-estima e do saber popular na promoção da vida. No último período vem surgindo um movimento de “volta às raízes” - um retorno à valorização da cultura popular, com redução do endeusamento dos produtos industrializados.
Quando o Brasil foi descoberto, a fitoterapia reinava praticamente sozinha, não havia vacinas nem medicamentos sintéticos. Somente no final do século XIX, com o surgimento da aspirina, os medicamentos alopáticos conquistaram o lugar dos tratamentos com a medicina natural.
Os laboratórios desenvolveram centenas de medicações, criaram a cultura do “tomar remédio” e um mercado da doença. Com isso, a medicina alopática estabeleceu a cultura do “cientificismo”, isto é, só valia o que era científico. A sabedoria popular foi sufocada, abrindo espaços para uma medicina fragmentada, individualizada, de alto valor monetário e descomprometida com o eco-sistema.
O retorno ao uso de produtos de origem vegetal na terapêutica foi favorecido pelos graves efeitos secundários dos remédios sintéticos e também pelo maior conhecimento químico, farmacológico e clínico das drogas vegetais e dos seus produtos derivados. As novas formas de preparo e administração dos medicamentos naturais têm garantido um melhor controle de qualidade, contribuindo para o desenvolvimento da fitoterapia. O interesse popular e institucional vem crescendo no sentido de fortalecer essa terapia no SUS, assim como o incentivo a pesquisas científicas de validação do uso medicinal destas espécies.
Felizmente, aos poucos, os movimentos sociais populares, a igreja (através da Pastoral da Saúde), as benzedeiras, o movimento de mulheres, as agentes de saúde, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (através dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais) e os governos democráticos e populares, estão rompendo essa hegemonia. A prática libertadora e a luta em torno dos fitotarápicos vêm possibilitando a retomada do uso das plantas medicinais por mãos de quem defende a vida e não o mercado da doença.
3.5. Políticas públicas
De todos os métodos da medicina, natural a fitoterapia é, sem dúvida, o mais antigo, o mais estudado e o que apresenta o melhor resultado. Com a evolução da ciência e o aprimoramento das pesquisas, os estudiosos buscaram a resposta para a seguinte pergunta: por que as plantas curam? A partir deste questionamento, as plantas passaram a ser estudadas do ponto de vista da composição química e não mais mística. Descobriu-se que cada planta possui princípios ativos que produzem efeitos (benéficos ou colaterais) quando introduzidos em outros seres vivos.
A fitoterapia é hoje altamente difundida no mundo todo como método natural preventivo, conservador, regenerador e curativo. O reconhecimento de seu valor como recurso clínico, farmacêutico e econômico já levou muitos países a adotar a prática como política pública de saúde . De acordo Organização Mundial de Saúde, 80% da população dos países em desenvolvimento utiliza práticas tradicionais nas unidades básicas de saúde, demonstrando sua eficácia para o tratamento de muitas doenças. No Brasil, esses índices chegam a 82%. Essas constatações são um ponto chave no desenvolvimento de hortos comunitários, de plantas medicinais e, também, um alerta para as autoridades governamentais, para que possam criar subsídios para as populações de baixa renda, garantindo-lhes medicamentos naturais e de qualidade.
No Brasil ainda estamos “engatinhando” neste método como política pública de saúde. Felizmente, já demos alguns passos. Em dezembro de 2005, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é ampliar as opções terapêuticas aos usuários do SUS, com garantia de acesso às plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, com segurança, eficácia e qualidade, na perspectiva da integralidade da atenção à saúde. Em junho de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou o Decreto nº 5.813, instituindo a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos no Sistema Único de Saúde.
Este Decreto é apenas um exemplo de como é possível elaborar política pública a partir das plantas medicinais. Mas, o Estado (governos federal, estadual e municipal) poderia implementar outras propostas até mais simples, mas que potencializasse as iniciativas populares. Como exemplo temos as experiências dos Coletivos de Mulheres da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar – Fetraf/Sul/CUT, de Constantina/RS e os trabalhos desenvolvidos pela Pastoral da Saúde. Poderia ainda promover seminários, encontros, cursos de formação e capacitação sobre o uso correto da plantas medicinais, desde seu cultivo. Outra atividade que poderia ser desenvolvida como política pública de saúde é a criação de hortos medicinais comunitários. Essa proposta fomenta a convivência social, a partilha de saberes, a integração com outras áreas como a educação, a agricultura. A implementação de uma política pública de plantas medicinais significa a prevenção de muitas doenças, a recuperação da saúde de milhares de pessoas, a diminuição das filas de hospitais e, sobretudo, a valorização da sabedoria popular e o reconhecimento de que a vida está acima do lucro.
4. AGRICULTURA FAMILIAR E AS PLANTAS MEDICINAIS
4.1. Se produzimos alimentos para nação, podemos produzir plantas medicinais para o uso fitoterápico
A agricultura familiar é reconhecida pelo poder público como um modelo de produção há menos de uma década. Este modelo é mais do que um método de produção de alimentos: é uma forma de organização da propriedade, em que predomina a interação entre gestão e trabalho em família. É um modelo onde os agricultores familiares são sujeitos de sua história, dirigem o processo produtivo, dando ênfase à diversificação. É uma opção de vida, solidária, recheada de lutas sociais, muito trabalho e festas.
A agricultura familiar ocupa 30,5% da área total dos estabelecimentos rurais, produz 38% do Valor Bruto da Produção nacional e ocupa 77% do total de pessoas que trabalham na agricultura. Esse setor tem capacidade de absorver mão-de-obra e gerar renda. Além disso, é responsável por 67% da produção nacional de feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 31% do arroz, 49% do milho, 52% do leite, 59% de suínos, 40% de aves e ovos, 25% do café, e 32% da soja .
Com esse potencial comprovado, a agricultora familiar também pode ser a responsável pela produção da matéria-prima para a elaboração de fitoterápicos no Sistema Único de Saúde. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio de suas secretarias de Agricultura Familiar e de Desenvolvimento Territorial, já vem realizando ações na área de fitoterapia e plantas medicinais por meio de parcerias com redes e organizações governamentais e não-governamentais. Os apoios vão desde a capacitação para boas práticas de manejo e cultivo de plantas medicinais até a produção do fitoterápico.
O governo Lula também tem buscado parcerias internacionais, como é o caso do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), para impulsionar o Programa Regional de Apoio à Rede de Desenvolvimento de Plantas Medicinais no Mercosul. Esse programa visa promover a redução da pobreza dos agricultores familiares, por meio da diversificação da produção e do incremento da renda, com a expansão de plantas medicinais e a transformação em medicamentos fitoterápicos.
No Paraná, também há experiências no cultivo de plantas medicinais. A Cooperativa Cercopa, que reúne 80 famílias, é um exemplo de organização de agricultores familiares que já atuam na produção de plantas medicinais. Eles produzem 25 tipos de chás naturais, como alcachofra, alecrim, arnica, guaco. E grande parte da produção tem à frente as mulheres.
Poderíamos referendar outros exemplos, no entanto, o objetivo é mostrar que a Agricultura Familiar pode ser a parceira número um dos Governos na implementação da Política Nacional de Plantas Medicinais. Neste sentido, as mulheres agricultoras familiares - com suas mãos, suas paixões e toda sua sabedoria - podem desenvolver projetos de plantio, colheita e armazenagem de plantas medicinais. A produção da matéria-prima poderá ser uma excelente alternativa de renda para a agricultura familiar, assim como hoje temos a produção do leite e do feijão, por exemplo.
4.2. As mulheres agricultoras familiares e as plantas medicinais
Apesar de constituírem metade da população, trabalhar na roça em pé de igualdade ao homem, participar da produção, dar conta da jornada de trabalho em casa, as mulheres agricultoras, ainda hoje, lutam para alcançar igualdade de gênero. A maioria das agricultoras é considerada membro não remunerado da família.
Destina-se às mulheres o trabalho dito reprodutivo, cuidar da casa e dos filhos, pequenos animais, horta. Em outras palavras, o trabalho "improdutivo", segundo a ótica capitalista, que é tudo aquilo que é feito para uso e consumo da família. Para exemplificar, poderíamos dizer que, o roçado é responsabilidade do homem, e a casa da mulher. Os produtos como feijão, milho e mandioca tornam-se mercadoria. Mas limpar a casa, cuidar da horta, dos filhos não tem o mesmo valor.
É preciso lançar olhares sobre a realidade a fim de dar mais um passo em direção a igualdade de gênero e da justiça social. Neste sentido, as formações coletivas buscam quebrar as representações tradicionais da imagem da mulher no campo. Os Coletivos de Gênero da Fetraf, a organização sindical, as lutas, os trabalhos pastorais, a fé, o conhecimento e relação harmoniosa com a natureza – tudo é fundamental na luta pelo rompimento do “lugar secundário” que a história reservou às mulheres.
O crescimento do cultivo e da utilização das plantas medicinais, uma tendência mundial, pode ser uma importante fonte de renda e contribuir no desenvolvimento sustentável. Nesta caminhada, as mulheres agricultoras podem elaborar um grande projeto coletivo: a produção de plantas medicinais para a implementação da fitoterapia no SUS. Vamos retomar o velho saber, os segredos que a Mãe-Natureza nos passou e dar um salto de qualidade em nossa história.
O papel da mulher na agricultura familiar esta mudando a concepção de política pública nos Governos. Assim, é possível buscar recursos para está iniciativa, bem como exigir que o poder público garanta que o conhecimento tradicional/popular sobre plantas medicinais, sua manipulação e uso, possam ser resgatados, protegidos e respeitados como prática de saúde.
CONCLUSÃO
As plantas medicinais sempre estiveram intimamante ligadas às mulheres, a gricultura de subsístência e a disputa de poder/saber. Agora, é necessário dar continuidade às medidas voltadas à melhoria da atenção à saúde, ao fortalecimento da agricultura familiar, à geração de emprego e renda, à inclusão social e igualdade de gênero. Neste sentido, a implementação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicas pode ser um caminho para a geração de emprego e renda, fortalecimento e empoderamento das mulheres agricultoras, bem como para o resgate do saber popular.
A agricultura familiar (que representa um modo de vida e assegura a preservação e desenvolvimento das culturas locais, que mantém uma relação harmonizada com o meio-ambiente, que aposta no desenvolvimento sustentável e na biodiversidade, que produz a maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira) pode ser a grande aliada do Estado na produção e armazenagem de plantas medicinais para o uso fitoterápico. Para tando, as mulheres que possuem uma histórica ligação com as plantas medicinais serão as principais protagonistas desta empreitada.
Com a força das mulheres agricultoras familiares, a organização dos Coletivos de Gênero, a fé, a sensibilidade e sabedoria, teremos a possibilidade histórica de conquistar um Brasil sustentável, um modelo de saúde baseada em métodos naturais, melhores condições de viva para os filhos e uma geração mais saudável e feliz.
Celica Vebber
jornalistae e ducadora popular em saúde
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SPETHMANN, Carlos Nacimento. Medicina Alternativa de A a Z. Editora Natureza, 7ª edição, MG, 2004,
Sítios
Governo Federal – Ministério da Saúde
http://www.portal.saude.gov.br/
Contém notícias, informações sobre saúde, projetos e programas e informações sobre o Ministério da Saúde.
ABC da Sáude
http://www.abcdasaude.com.br/
Informação, divulgação e educação sobre temas de saúde com mais de 600 artigos escritos exclusivamente por especialistas.
Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher
http://www.caism.unicamp.br/
É uma unidade de ensino, pesquisa e assistência inserida no complexo de saúde da Universidade Estadual de Campinas.
Natura Link
http://www.naturalink.com.br/
É um elo com a Natureza. É a união de pessoas amigas que a preservam, protegem e gostam de viver em harmonia. Informações sobre saúde, natureza, ecoturismo, etc.
Planeta Natural
http://www.planetanatural.com.br/
Saúde, notícias, doenças, prevenção. Aqui você encontra informações sobre diversas terapias alternativas complementares.
S.O.S. Saúde Alternativa
http://www.sossaudealternativa.com.br/
Informações sobre saúde alternativa.
Saúde
http://www.saude.com.br/
Informações sobre saúde, qualidade de vida, meio ambiente e cidadania. Dados sobre doenças, por ordem alfabética.
Saúde em Movimento
http://www.saudeemmovimento.com.br/
Muitas informações que facilitam e melhoram sua vida.
http://www.taps.org.br
A TAPS é um centro de estudos que mantém uma biblioteca e este website abrangendo diversas áreas relacionadas com a saúde.
Vida Integral
http://www.vidaintegral.com.br/
Informações sobre medicina complementar, alimentação, cozinha natural, qualidade de vida, vida moderna. Ótimos artigos.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – Fetraf-Sul/CUT
http://www.fetrafsul.org.br/
Agência de Notícias sobre Meio Ambiente
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/
Ambiente Brasil
http://www.ambientebrasil.com.br/
Centro Feminista de Estudos e Assessoria
http://www.cfemea.org.br/
Comunicação, Educação e Informação em Gênero
http://www.cemina.org.br/
Grupo de Defesa Ecológica
http://www.grude.org.br/
http://www.redemulher.org.br/luta.htm - Luta pelos Direitos das Mulheres
http://www.cnmp.org.br/ - Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP).
www.ibama.gov.br/flora/plantas_medicinais.htm
http://www.comciencia.br/ /Revista eletrônica de Jornalismo Científico
http://www.nead.org.br/ / Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
Muito bom texto <3 os meus parabéns!
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